sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O salto

Ela se encaminhou calmamente até o terraço do seu prédio, morava a muito tempo ali, tinha uma história naquele lugar e no entanto estava determinada a por um fim naquilo tudo. As lágrimas corriam feito cascata em seu rosto angustiado, suas sobrancelhas estavam encolhidas em uma expressão de dor, suas mãos suavam e os soluços a faziam tremer. Andava vagarosamente, tinha o dia inteiro. Se sentou no peitoril do prédio, seus cabelos loiros esvoaçavam com o vento forte daquele dia decisivo. Olhava o horizonte sem realmente ver nada, era como se sua alma tivesse escapado do corpo, ido embora sem olhar para trás. Estava oca. Em um momento de lucidez sua vida inteira passou feito filme em sua cabeça, lembranças antigas e recentes se misturando em confusos lapsos, ela não conseguia entender o porque estava ali, nem ao menos sabia como chegara ao terraço. Parecia que algo ou alguém a havia empurrado até lá, para que refletisse sobre tudo o que fizera, sobre tudo o que fizeram a ela. Desde pequena fora solitária, tinha amigos imaginários que nunca a abandonaram, mesmo quando ela descobriu que eles não existiam. Permaneciam ali, ela podia sentir. Essa solidão se arrastou por toda a sua adolescência, na escola a achavam estranha, vivia pelos cantos se escondendo das pessoas "normais". Porém amadureceu e teve uma vida como todos os outros tinham, marido, filhos, trabalho e uma casa para cuidar. Mas aquele vazio insistia em persegui-la, não importava o quanto ela afirmasse que tinha uma vida boa, que era feliz. No fundo, bem lá no fundo ela sabia que não podia mentir para si mesma, poderia enganar as pessoas ao redor, mas seu espírito sabia a verdade. Estava cansada de fingir, saturada de ser quem não era, tinha nojo de si própria e dos outros. Ela gostaria de ser outra pessoa, mas decidiu encarar quem realmente é. Secou as lágrimas com as costas das mãos, ficou em pé, olhou uma vez para o céu e depois para baixo, estava pensando se ela iria para o céu ou para o inferno e sorriu ao perceber que toda a sua vida já fora um inferno, então não importava para onde ela iria agora, apenas queria que tudo acabasse, queria silenciar as malditas vozes em sua mente, a terrível dor que sentia, ela queria ser livre, queria voar. Ficou imóvel como se estivesse em um transe. Não estava totalmente infeliz, havia o alivio de se libertar, não só ela de sair desse tormento mas todas as pessoas que tinham que conviver com sua história. Abriu os braços, sorriu e saltou. Seu último desejo tinha sido atendido. Estava tudo acabado.

(Camilla Leandro).

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