terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O desamor

Fanatismo

Minha'alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer a razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!
(Maria Lúcia dal Farra).

As 03:11 da madrugada não consigo dormir ouvindo o eco de suas palavras. Foi como um golpe que eu mesma proferi em mim, eu precisava. A algum tempo atrás eu lhe entreguei meu coração, meu bem mais precioso. No entanto você o esmagou, despedaçou. Poderia jurar que daria minha vida pela sua sem pensar duas vezes, mesmo sabendo que não faria o mesmo por mim. Eu prestava a atenção em todos os seus movimentos, ficaria horas te admirando se pudesse, sem pedir nada em troca. Para os seus defeitos eu me vendei, para os meu tinha olhos de lince, mas nem por isso eu te amei menos. Você dominava por inteiro meus pensamentos, desde a hora em que o sol nasce até quando ele se vai, constantemente e eu poderia viver assim para sempre. Mas meu coração quebrado queria me avisar de que algo estava errado. Você esquecera de me amar de volta, de pensar em mim, de sequer me olhar. Teria dado tudo para te tocar ao menos uma vez e ter certeza de que não foi só um sonho ruim. Mesmo longe eu te amei com toda a minha alma e você como se troca de roupa, me trocou para viver sua vida com outras pessoas. Não o culpo. Mas decidi que essa obsessão deveria chegar ao fim. De que adianta amar e sonhar sozinha, se nunca ouvirei um "Eu também te amo" da pessoa que mais amei nessa vida? Este inferno de amar me corrói por dentro, me fazendo enxergar aquilo que eu não queria ver, mas vi. Nunca existiu um "nós" e nunca existirá. Adeus.

(Camilla Leandro).

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Descontrole

A maioria das pessoas olham as nuvens e vêem coelhos, cachorros, anjos. Eu nunca vi coisas fofinhas, sempre agressividade. Outro dia juro que vi dois dragões lutando. A raiva me consome de um jeito que tudo o que eu olho se mostra negativo, as pessoas, lugares, objetos, tudo. É sufocante, mal posso respirar com essa densidade no ar. Pensamentos fervilham, explodem na minha cabeça. Tento por as idéias no lugar, mas é difícil. É uma batalha interna. Pesadelos todas as noites, deles não posso fugir. Buracos negros onde eu caio sem parar, cavalos de olhos vermelhos correndo atrás de mim, isso só pode ser um sinal, da próxima vez jogo no cavalo no "jogo do bicho", talvez eu ganhe algo com essa angústia. O suor sempre presente, isso me irrita. Ele insiste em mostrar a todos o quanto estou nervosa. Meu olhos sempre me puxam para ver algo desesperador, tento me conter porém é mais forte que eu, e aquelas imagens ficam voltando a minha retina para me provocar, me tirar do sério. Ofegante. Dificilmente me concentro em algo, mesmo se for interessante. Isso me intriga um pouco, eu costumava gostar das coisas, agora não mais e nem ao menos sei porque. Grito o mais alto que eu posso, até a garganta doer, nada alivia. As vezes nem sinto vontade de levantar da cama e encarar esse abismo lá fora, me dói a cabeça só de imaginar. Quando foi que isso começou? Não faço idéia, só queria que tivesse um fim. Um fim para todo esse descontrole. Que eu tivesse as rédeas de mim mesma.

(Camilla Leandro).

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Perseguição

Como sempre estava atrasada para chegar a aula de música. Tinha saido da livraria o mais rápido que pude e mesmo assim não iria conseguir ser pontual. Essa noite a lua estava muito clara e o céu bem limpo, não havia estrelas, era apenas aquele azul escuro. Bateu um ventinho que fez meus cabelos levantarem dos ombros, fechei todos os botões do meu sobretudo e comecei a andar em direção a rua principal, tinha muito chão pela frente até chegar lá. No meio do caminho até pensei em desistir, ia chegar atrasada mesmo. Mas decidi continuar. Sabe aquela sensação de estar sendo seguida? Observada? Acredito que todos nós já nos sentimos assim alguma vez. Caminhava um pouco mais rápido sem olhar para nenhum lugar, apenas focando o fim da rua, queria passar logo aquela parte escura e deserta do bairro. Virei á direita e me arrependo por ter feito isso, não havia ninguém na rua e eu não iria voltar, então comecei a andar mais rápido, quase correndo por aquela rua que mais parecia um beco, ao menos era um atalho para chegar mais rápido a escola. Um silêncio mortal pairou naquele bairro, nem barulho de carros eu ouvia. Só meu próprio coração que parecia que ia sair pela boca. Comecei a suar frio e ouvir os passos de alguém atrás de mim. Rezava baixinho para encontrar alguém em meu caminho, não resisti e olhei por cima do meu ombro. Não sei se foi minha imaginação mas o que eu vi foi um homem muito alto com um sobretudo parecido com o meu e um chapéu que escondia parte de seu rosto. Corri o mais rápido que pude, estava quase no fim da rua para entrar em outra mais iluminada, foi quando ele me alcançou e me atirou contra a parede. Senti uma dor aguda na cabeça, fiquei meio tonta e vi que ele se encaminhava novamente para mim com os punhos cerrados, me esquivei e corri como se minha vida dependesse disso e dependia. Entrei em uma avenida totalmente iluminada, olhava a todo instante para trás, ele ainda corria atrás de mim, apertei mais a corrida, até que avistei um guarda na frente de um prédio. Agarrei-o pelo colarinho de sua farda e disse: - Guarda aquele homem me atacou, me ajuda por favor - E as lágrimas corriam pelo meu rosto, as palavras se atrapalhavam em minha boca. O guarda tentou me acalmar e apontou a rua, - Não tem ninguém lá - Eu olhei atordoada, ele havia sumido de repente e depois virei-me para ele - Ele deve ter fugido, chame a polícia - O guarda me olhou meio confuso e me disse o que eu não queria acreditar. - Moça, a senhorita estava correndo sozinha desde o começo da rua.

(Camilla Leandro).

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A bailarina

Eu havia ganhado essa caixinha de música com uma bailarina pequena da minha avó materna, ela me deu para que eu não ficasse com medo do escuro, quando estivesse apavorada era só ficar ouvindo aquela musiquinha lenta e olhar o mesmo movimento até adormecer. Cresci e a caixinha continua lá no criado mudo, com a mesma música e com a mesma bailarina. As vezes ficava horas olhando para ela e imaginando como seria fácil minha vida se eu fosse essa boneca. Ali congelada em um movimento lindo, fazendo o que sempre quis, transmitindo suavidade. Ela não precisava se preocupar com nada, ela não tinha sentimentos, não se machucava. O máximo que poderia acontecer a ela, é em um momento de descuido eu esbarrar nela, cair e quebrar. Mas de jeito nenhum ela sentiria nenhuma dor na queda. A bonequinha é a unica que se dá bem nessa história. Me sinto presa em uma vida que não é pra mim, me sinto deslocada, eu não pertenço aqui. Penso que ser uma bailarina de caixinha de música seria a válvula de escape para toda essa pressão, todas as quedas da vida, eu não sentiria nada, não seria humana. Tem horas que não gosto de pertencer a raça dos seres humanos, ter que encarar tudo de frente e aguentar tudo o que vier. Mas a bailarina não, ela não precisa de nada disso para ser feliz, ela está no seu espetáculo, alegre para sempre, em seu movimento habitual. Diferente da vida real, o "felizes para sempre" é raro, talvez ele nem exista. Minha avó tinha acertado em me da-la de presente, não ficava mais com medo do escuro, eu havia superado esse obstáculo de infância. Mas e agora? Qual o presente que irá tirar meu medo de viver?

(Camilla Leandro).

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Nó na garganta

O som do lápis batendo na mesa ecoava em minha cabeça, tentava me concentrar na prova de matemática diante dos meus olhos. Olhei de esguelha para a garota do lado que batia insistentemente aquele maldito lápis e só o que eu consegui enxergar foi seu sorriso debochado e a expressão de triunfo diante das gotas de suor que escorriam pelo meu rosto. Voltei minha atenção para o exame pela metade, apertava tanto minha caneta que a sentia furar minha pele. E aquele barulho martelando sem parar, remexia meus pés embaixo da mesa, olhei o relógio, faltava menos de duas horas para o prazo terminar e agora a tirana estava aos cochichos com sua aliada. Olhei para fora e comecei a imaginar como seria ótimo ela ser atropelada por um ônibus ou ser mordida por um cachorro, soltei uma risada e senti os olhares voltados para mim, corei e me silenciei, sabia que os pensamentos de todos seriam sobre o quanto eu era estranha. Ela volta a bater seu querido lápis na mesa, aquele som irritante encheu-me de fúria e minha imaginação criou asas. Imaginei que estávamos no banheiro da escola e eu mergulhava sua cabeça no vaso sanitário e perguntava se agora era tão engraçado tornar a vida dos outros um inferno e ela suplicava para que eu parasse, mas eu não conseguia parar. Eu fitava o nada e tinha um sorriso congelado no rosto quando bateu o sinal, entreguei minha prova repleta de desenhos com meus planos de vingança, nem havia percebido que os fiz. Todos saíram da sala e eu a olhava com um riso nos olhos, me divertindo por dentro com tudo o que eu imaginei. Quando chego em casa, toca o telefone. Minha mãe atende, ela fora chamada pelo professor de matemática para conversar sobre mim, sobre os desenhos que eu havia feito nessa manhã e chegara a conclusão de que eu precisava de ajuda. Inconscientemente eu tinha gritado por socorro. Aquele nó na minha garganta tinha desatado.

(Camilla Leandro).

sábado, 5 de fevereiro de 2011

O fim

Nicki estava parado na porta, olhava-o no espelho do guarda-roupas, tinha uma aparência péssima, cansada, esgotada. Sentou-se na cama, passou longos minutos parado sem se mover, sem dizer nada e sem ao menos pensar em nada, apenas fitava os próprios pés, sentia uma dor imensa nas costas. Ouviu o choro de sua filha no quarto ao lado, não conseguia mover um músculo sequer, permaneceu ali ouvindo os soluços daquela que devia proteger. Laila chegara do trabalho, batera a porta e foi ver a filha que ainda chorava, de lá gritou: - Nicki, não ouviu ela chorar? Qual o seu problema? - Ele continuava imitando uma estátua, sua voz tinha sumido. Ouviu passos, chuveiro ligado, uma canção de ninar. Laila aparece na porta do quarto: - O que você tem? - Ele apenas ergueu os olhos para ela, ele não teria precisado dizer nada, seu olhar carregava seu interior, a fez entender seu silencio. Sua mulher deu as costas e foi assistir televisão na sala. Ele podia ouvir seu coração bater tão forte que martelava em sua cabeça, o sangue em suas veias corria tão rápido que chegava a doer, ele deitou na cama e se encolheu feito um caracol, com as mãos nos ouvidos, chorava e tremia. Ela podia escuta-lo do quarto, queria ir lá acalma-lo mas sabia que nada e nem ninguém poderia tira-lo desse abismo, a não ser ele mesmo. Os soluços foram cessando lentamente, até que ficasse imóvel novamente, olhando para a parede, sentou-se outra vez na cama e agora era tomado por uma forte dor de cabeça, latejava tanto que o fazia gemer de dor. Então tomou coragem e foi tomar banho, talvez isso o fizesse relaxar, se esfregava com tanta força, como se quisesse se livrar de alguma sujeira que o impregnava. Se secou, colocou uma roupa velha, deitou na cama e fitava o teto, passou pelo menos uma hora nessa posição. Ele não poderia continuar assim para sempre, ele tinha certeza e sabia o que fazer. Foi até ao guarda-roupas, embaixo das suas calças jeans havia uma arma pequena. Pegou-a, começou a suar muito, seu coração estava disparado, foi até a sala e a apontou para Laila. A mesma se assustou, saltou do sofá e olhava com espanto: - Você enlouqueceu? - Ele chorava e soluçava silenciosamente. De fora da casa deu para se ouvir dois tiros, um tirou a vida da mulher que o traia e o outro tirou-o da vida sem ela.

(Camilla Leandro).

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O salto

Ela se encaminhou calmamente até o terraço do seu prédio, morava a muito tempo ali, tinha uma história naquele lugar e no entanto estava determinada a por um fim naquilo tudo. As lágrimas corriam feito cascata em seu rosto angustiado, suas sobrancelhas estavam encolhidas em uma expressão de dor, suas mãos suavam e os soluços a faziam tremer. Andava vagarosamente, tinha o dia inteiro. Se sentou no peitoril do prédio, seus cabelos loiros esvoaçavam com o vento forte daquele dia decisivo. Olhava o horizonte sem realmente ver nada, era como se sua alma tivesse escapado do corpo, ido embora sem olhar para trás. Estava oca. Em um momento de lucidez sua vida inteira passou feito filme em sua cabeça, lembranças antigas e recentes se misturando em confusos lapsos, ela não conseguia entender o porque estava ali, nem ao menos sabia como chegara ao terraço. Parecia que algo ou alguém a havia empurrado até lá, para que refletisse sobre tudo o que fizera, sobre tudo o que fizeram a ela. Desde pequena fora solitária, tinha amigos imaginários que nunca a abandonaram, mesmo quando ela descobriu que eles não existiam. Permaneciam ali, ela podia sentir. Essa solidão se arrastou por toda a sua adolescência, na escola a achavam estranha, vivia pelos cantos se escondendo das pessoas "normais". Porém amadureceu e teve uma vida como todos os outros tinham, marido, filhos, trabalho e uma casa para cuidar. Mas aquele vazio insistia em persegui-la, não importava o quanto ela afirmasse que tinha uma vida boa, que era feliz. No fundo, bem lá no fundo ela sabia que não podia mentir para si mesma, poderia enganar as pessoas ao redor, mas seu espírito sabia a verdade. Estava cansada de fingir, saturada de ser quem não era, tinha nojo de si própria e dos outros. Ela gostaria de ser outra pessoa, mas decidiu encarar quem realmente é. Secou as lágrimas com as costas das mãos, ficou em pé, olhou uma vez para o céu e depois para baixo, estava pensando se ela iria para o céu ou para o inferno e sorriu ao perceber que toda a sua vida já fora um inferno, então não importava para onde ela iria agora, apenas queria que tudo acabasse, queria silenciar as malditas vozes em sua mente, a terrível dor que sentia, ela queria ser livre, queria voar. Ficou imóvel como se estivesse em um transe. Não estava totalmente infeliz, havia o alivio de se libertar, não só ela de sair desse tormento mas todas as pessoas que tinham que conviver com sua história. Abriu os braços, sorriu e saltou. Seu último desejo tinha sido atendido. Estava tudo acabado.

(Camilla Leandro).